domingo, 11 de março de 2007

O Tiro no Pé do Anti-Americanismo

O sentimento anti-americano tão prevalente no mundo hoje não tem uma explicação simples, mas certamente passa pela ligação das seguites idéias: o mundo é cruel e injusto; há um super-poder no mundo; esse super-poder é capaz de controlar o destino da humanidade; por consequência, o mundo só se encontra nessa situação porque assim os EUA o querem.

Além de equivocado, esse pensamento não é eficaz em melhorar o mundo por errar na anamnese (avaliação), no diagnóstico, e consequentemente na presumida terapêutica.

Poucos avaliam as mazelas do mundo de forma idônea. A grande maioria tem olhar preconceituoso e visão míope. Enxerga-se os EUA como uma massa coesa de gente indiferente para com os rumos da humanidade, de gente irresponsável e gananciosa, que só pensa em dinheiro, que não tem valores e que caga para o destino do mundo. Poucos têm o discernimento de entender que um país tão diverso e aberto a idéias não tem uma cara só, e que há no EUA a mesma proporção de gente boa e gente ruim que nos outros países do mundo. E ainda menos gente tem a hombridade de reconhecer que os defeitos caracterizados acima não são propriedade de americanos, mas sim do ser humano em geral. Repetidas vezes na história já comprovamos que a relação do homem com o Poder é complicada – se essas mesmas pessoas que acusam fossem americanas, muito provavelmente teriam exatamente a mesma conduta dos americanos originais.

Em segundo lugar, o diagnóstico está errado. Os EUA são o país mais rico do mundo sim, mas ele não controla o destino da humanidade. Um grande amigo meu uma vez me disse que “nada acontece no mundo sem o dedo dos EUA”. Não há nada mais distante da verdade do que isso. Sem querer minimizar a importância americana, a influência exercida por ele nas decisões de cada governante no mundo é minúscula. Maior do que a maioria dos outros países, mas ainda assim minúscula. Por incrível que possa parecer, os valores pessoais têm, de uma forma geral, importância muito maior nas decisões que qualquer dinheiro ou diplomacia.

Esse pensamento preto no branco de bandido e mocinho descrito acima é resultado do achatamento da educação humana. Nós somos formidáveis práticos e patéticos filósofos. Programas como Big Brother Brasil só fazem esse sucesso assombroso porque permitem às pessoas julgarem o próximo, a colocarem pra fora o bandido e recompensarem o mocinho, como se isso pudesse ser julgado pelo que é transmitido entre os comerciais da Globo.

E finalmente a terapêutica resultante desse raciocínio não é eficaz porque não atinge o cerne da questão. Simplesmente derrubar o poder americano não resolve nada - não existe vácuo de poder. Assim que os EUA não forem mais uma super-potência, alguém entrará em seu lugar. Sem exercitar muito meu lado Nostradamus, podemos facilmente especular que não há muitos candidatos com potencial. Quem vai ser? China, Rússia, Irã, Índia? A próxima super-potência será execrada da mesma forma que os EUA são, pois mudar a fonte de poder só muda os interesses, não o âmago do homem. Se você não for o dominador, será o dominado. Minar a influência americana tem efeito contra-produtivo: os EUA são o país que mais respeitam as liberdades individuais, que mais prezam a democracia e a liberdade de imprensa entre os países citados acima.

As políticas e ações dos EUA estão longe de serem perfeitas. São pessoas como eu e você que comandam essa super-potência; e como humanos, são falíveis, têm preconceitos, sentimentos inexplicáveis e idiossincrasias. Não se pode confundir um governante nefasto - Bush - com um sistema de governo que ainda é dos melhores que a humanidade jamais produziu. A riqueza dos USA não provém da exploração dos países-clientes (tipo Brasil) e sim da poupança interna do país (veja por exemplo o lucro de uma empresa tipo Microsoft que vem 80% de dentro dos USA, se bem que é claro que eles adoram os 20% que vem de fora também).

A democracia americana propiciou avanços científicos e tecnológicos em escala jamais vista, além de abrigar muitos fugitivos de regimes totalitários. Pretender trocar a democracia americana pelo sistema imperial-clerical do Irã, onde o aiatolá supremo está acima do executivo, do judiciário e do legislativo, é muito burro. Vamos substituir o Bush, mas vamos deixar a democracia americana onde está, sem enfraquece-la porque todos nós (mesmo os que vivem no Brasil) vivemos melhor com ela. Devemos exercitar nossa crítica de forma construtiva, com o objetivo de mudar o rumo para onde achamos melhor - criticar os USA é lícito, apoiar o Chávez e o totalitarismo islâmico é uma estupidez. Caso esse poderio dos EUA terminasse hoje, em alguns anos estaremos nós todos a reinvidicar nossas vontades num mundo muito mais extremista, racista e surdo.

quarta-feira, 7 de março de 2007

Bill Gates

C-SPAN é uma empresa privada sem fins lucrativos que transmite todas as sessões do senado e congresso americanos, além de 2 ou 3 outros canais que transmitem programas com escritores, políticos, intelectuais, universitários, cientistas e outros. Eu tenho tido a maravilhosa oportunidade de morar nos EUA por 1,5 ano, e, como bom americano, tenho mais de 150 canais disponíveis – mas nenhum chega perto aos canais da C-SPAN (na verdade 99% é podre, assim como no Brasil e resto do mundo televisivo).

Bill Gates está depondo no Senado sobre competitividade americana em ciência e tecnologia. Não é réu obviamente; foi chamado porque entende pra caralho disso. O objetivo é aumentar a quantidade de pessoas que se interessa por esses assuntos e acaba seguindo carreira. Infelizmente, o absolutismo religioso está tomando conta várias partes diferentes do mundo, e algumas escolas americanas (públicas!) jogaram Darwin no lixo e ensinam que a evolução do mundo se deu por Adão e Eva. Esse Bill Gates é impressionante. Não é só inteligente. Ele toma decisões certas nas bifurcações da vida. Dois projetos principais na Fundação Bill e Melinda Gates: Educação e Saúde. E eles gastam milhões com isso por ano; a Renata é uma das beneficiárias, recebendo grants em TB e AIDS. Ouvindo-o depor, ele é realmente brilhante.

segunda-feira, 5 de março de 2007

Editorial Devarim #3

Este é o editorial da 3ª Devarim que é a revista da ARI, nossa sinagoga. Minha mãe, Marina Gottlieb, é quem assina esse texto.

Estamos vivendo de fato tempos difíceis. De apatia intelectual, de anti-semitismo aberto, de aumento violento do fundamentalismo. A tendência é escutar menos e falar mais, pensar menos e julgar mais, tolerar menos e bater mais.

Progressos da tecnologia, como a Internet, e da economia, como a globalização, são confundidos como desenvolvimento humano, quando na realidade são apenas ferramentas que somente se utilizadas de forma iluminada causarão alguma evolução no bem estar da humanidade.

O obscurantismo moderno não difere do passado. Sua raiz continua sendo a violenta disputa pelo poder, que para se perpetuar precisa inibir o livre pensamento e a exploração intelectual especulativa.

As novas características são as táticas de desinformação em massa e as alegações hipócritas e pseudo-científicas de que o direito à dominação do próximo é justificado como uma característica cultural e portanto inalienável.

Em 1670, em seu Tratado Político-Teológico, Baruch Spinoza criticava o obscurantismo de sua época. Ele começa a obra alertando para a tendência do clero em sedimentar crenças supersticiosas nas pessoas (manipulando suas emoções) de forma a ter controle sobre elas. Um ser guiado pelo medo e pela esperança seria facilmente manipulável para atingir os objetivos de poder. "Esforços imensos foram feitos para impor a religião, verdadeira ou falsa, com tamanha pompa e cerimônia que ela poderia suportar qualquer choque e ainda assim continuar a suscitar a mais profunda reverência em todos seus seguidores." (Tratado Político-Teológico, Prefácio – tradução livre).

A revista Devarim pretende ser mais uma voz contra o obscurantismo moderno, seja qual for sua origem ou vestimenta.

A sedimentação da idéia de que nascemos livres é muito frágil na história da humanidade – o homem sempre tendeu a querer dominar o próximo, tanto física quanto psicologicamente. Apesar da liberdade inata aparentar ser um conceito natural e absoluto, na verdade temos que lutar por ela permanentemente.

Muito freqüentemente o judaísmo progressista é tolamente rotulado como um "judaísmo light". Este pensamento, além de ignorante e preconceituoso, carece de fundamento histórico. A realidade é que o judaísmo sempre foi progressista e sempre evoluiu conforme as necessidades dos judeus. A abertura para a interpretação dos textos é constante e não foi suprimida em momento algum da nossa história, por mais que os comentaristas pós Shulchan Aruch (século XVI EC) sejam curiosamente rotulados como “os últimos” (acharonim). São os últimos, mas nenhum é o último.

O Rambam (Maimônedes – século XII EC) postulava no Guia dos Perplexos que o principal fator que impede o verdadeiro amor a Deus é a crença de que a interpretação literal da Torá seja o único caminho para permanecer fiel a seus valores. Segundo Rambam, o resultado da interpretação literal é a materialização de Deus, que resulta em idolatria.

Os textos bíblicos são atemporais porque não são registros históricos nem tratados científicos. Eles devem ser interpretados à luz do conhecimento e das necessidade do homem contemporâneo. De nada serve especular se de fato o Mar Vermelho realmente se abriu. No entanto a história do Êxodo é fundamental para a civilização, e serviu de base para todos os movimentos libertários modernos. É também ainda muito valiosa nos dias de hoje a idéia de que nossos antepassados foram escravos, e portanto não somos melhores que ninguém, nem temos o direito de oprimir o próximo.

Se perdermos os valores em detrimento à leitura literal, além de não estarmos praticando judaísmo, não estamos contribuindo em nada para com a humanidade.

Não, nós judeus progressistas não temos todas as respostas, e nos ocupamos a maior parte do tempo em colecionar e catalogar as perguntas. No entanto sabemos diferenciar entre obscurantismo e iluminação e este é o ponto de partida para a busca ativa das idéias que promovem a liberdade em todos os seus sentidos.

sexta-feira, 2 de março de 2007

Os quatro irmaos e o Iraque

Numa mesa de Pessach...

Irmão Mau: Não entendo essa guerra no Iraque. Não há chance de vitória, já foram gastos bilhões de dólares, mais de 3 mil soldados americanos já morreram e muitos mais voltaram feridos. Porque a coalizão não tira logo suas tropas e acaba logo com essa história?

Irmão Esperto: Você só disse metade dos números. As melhores estimativas são que tenham morrido 60 mil Iraquianos, e as piores estimam em 655 mil, num estudo feito por gente da Johns Hopkins que saiu no jornal médico Lancet. Eh absolutamente provável e previsível que se a coalizao retirar as tropas, a carnificina entre sunitas e xiitas matará muito mais gente, piorando em muito a crise humanitária que já existe.

Irmao Mau: Mas xiitas e sunitas se matam há mil anos, o que temos nós a ver com isso? Eles que se matem!

Irmao Que Nao Sabe Perguntar: Isso eh um dilema ético, e a sua é a pior das posturas. Lembre-se que a enorme maioria dos Iraquianos são pessoas de bem, e que estao sendo reféns de grupos terroristas dos dois lados. Apesar da coalizão não ser a responsavel por puxar o gatilho que matou tanta gente, ela tem sim que assumir a responsabilidade de que entrou no Iraque porta adentro, destituindo não só o Saddam, mas o resto da governança, criando o caos e a sensação de ausência de governo que vemos hoje. Foi uma incompêtencia absurda da coalizao de ter criado esse vácuo de poder público, o qual foi ocupado por milícias terroristas. Quem já esqueceu que depois da vitoria no Iraque (naquele curioso dia em que GW Bush apareceu no porta-avioes com o cartaz "Mission Accomplished") todo o governo do partido Ba’ath foi posto para fora sem ninguém assumir seu lugar? Quem já esqueceu da anarquia que reinou nas ruas de Bagdá, todo mundo entrando nas lojas e casas e roubando tudo que via pela frente, sob os olhares espantados dos soldados da coalizão que tinham ordens para fazer nada? Você acha certo agora simplesmente retirar as tropas? Tem muito mais em jogo do que as pessoas normalmente imaginam...

Irmão Tolo: Essa guerra sempre foi errada... E se o Saddam tivesse mesmo armas de destruicao em massa? O que os EUA tinham a ver com isso?

Irmao Esperto: Eu acho muito fácil agora, retrospectivamente, falar que essa guerra sempre foi errada. O mundo está cheio de previsores do passado. Na época eu apoiei a guerra, e ainda acho que, se voltasse ao passado, teria tomado a mesma postura novamente. Mas eu realmente esperava mais competência da liderança política em Washington e Londres. Esse vácuo de poder, o numero insuficiente de tropas desde o começo, a falta de planejamento são imperdoáveis. Vi uma entrevista com um militar de alto escalão do Pentágono (agora reformado) que disse que há um sistemático monitoramento pelo Pentágono de várias partes do mundo, com estudos estratégicos para caso haja um conflito, a resposta ser inteligente, informada e rápida. Na Guerra do Iraque, a decisão do Bush pegou os militares de surpresa, não havia plano.

Irmao Mau: Os EUA acham que podem mexer no tabuleiro do mundo como se estivessem jogando WAR. Eles que cutucaram o vespeiro, eles que tomem as picadas sozinhos.

Irmao Que Não Sabe Perguntar: Não concordo com essa postura. Mais uma vez culpando o jardineiro que quer retirar o vespeiro e não as vespas que picam as pessoas. Saddam era um criminoso, mas não um criminoso qualquer. Era extremamente poderoso, tinha em suas mãos um pais riquíssimo e era fonte de grande instabilidade regional e mundial. Foi ele que provocou a guerra Irã-Iraque, que matou 1 milhão de iranianos, foi ele que invadiu o Kwait.

Irmao Tolo: E não esqueça da campanha Anfal em 1988, na qual Saddam matou 50 mil Curdos no norte do Iraque - algumas fontes citam até 100 mil - lançando armas químicas como os gases Sarin e Mustarda sobre as cidades Curdas. O cara era realmente um monstro.

Irmao Que Nao Sabe Perguntar: Assim que assumiu o poder em 1979, Saddam mandou enforcar em praça pública os membros do Parlamento Iraquiano considerados inimigos, e por quase 25 anos ele governou o Iraque da forma mais truculenta possível. Apenas os integrantes do partido Sunita Ba’ath eram permitidos em cargos públicos, e eles só representavam 8% da população. O resto viveu sem direitos políticos, sem liberdades e aterrorizada. A coalizão agora não tem outra alternativa senão assumir o papel de polícia para impedir que um caos ainda maior reine no Iraque. Mas a tendência da mídia hoje é inocentar o criminoso e culpar a polícia por não conseguir impedir o crime do criminoso. Isto não faz o menor sentido e só acontece pela cegueira trôpega do anti-americanismo. Com um golpe de caneta, o terrorista que explode uma bomba com gás clorídrico num mercado cheio de gente comum, matando dezenas de pessoas e ferindo centenas, vira um guerreiro lutando pela liberdade contra o imperialismo americano. Além de não fazer o menor sentido, recompensa o bandido com mídia favorável, alimentado ainda mais esse tipo de atitude.

Irmao Mau: Mas o povo gosta dessa história do mocinho coitado e do bandido grande e forte. É claro que essa guerra é um fracasso, mas o ponto é: agora o que fazer?

Irmao Esperto: Confesso que não tenho a resposta, mas vamos organizar as possibilidades. Se a coalizão retirar suas tropas nesse momento, o Iraque mergulha de vez numa guerra civil, na qual morrearão milhões de pessoas; e será terra de ninguém, na qual as organizações terroristas encontrarão terreno fértil para fazer base e criar ainda mais instabilidade. A possibilidade de, depois de retirar as tropas, a coalizão tenha que voltar ao Iraque não é pequena, e seria numa situação muito mais desfavorável, onde morreriam muito mais soldados americanos. Além disso, a sensação de vitória se espalharia pelo mundo todo, fortalecendo muito os terroristas, que dependem da sensação de força para recrutar novos jovens para suas organizações. Dar-lhes a sensação de que eles estão vencendo seria desastrosa.

Irmão Esperto: Por outro lado, manter as tropas também é um grande problema. Além do custo que está chegando ao impagável mesmo pelo país mais rico do planeta, o cobertor de segurança fornecido pelos americanos é interessante para todos, menos para os EUA. Países como Arábia Saudita, Síria e Irã adoram ver os EUA sendo enfraquecido e endividado. O novo governo Xiita no Iraque não precisa de comprometer com os Sunitas e fazer um governo de real coalizão, pois os americanos estão lá apoiando-os. Os grupos terroristas continuam com o disfarce de guerrilheiros libertários, e não assumem sua responsabilidade para com seu próprio povo. França e Rússia ficam só rindo e dizendo: “falei pra não entrar...”. Enfim, todo mundo lucra, menos os EUA.

Irmão Tolo: Passa o Guefilte Fish!