domingo, 25 de fevereiro de 2007

A que vim

Várias vezes já questionei se essa era de hiper-informação não resulta em mais desinformação, se toda essa infinidade de dados não reduz todas as fontes ao mesmo patamar, nivelando por baixo. Não me entenda mal, não acho que mais informação é ruim de uma forma geral. Penso que educação é fator determinante para a libertação da humanidade, e informação é essencial no processo educativo. Mas na época que a informação tinha a assinatura de uma grande empresa, a responsabilidade de se confirmar o dado era mais essencial. Quando cada laptop vira um repórter, editorialista e formador de opinião, o público tem por um lado mais fontes de informação, mas por outro as informações são muito menos confiáveis, e vezes deliberadamente mentirosas. Quero rejeitar qualquer impressão que sou nostálgico, que tempos passados eram melhores que o presente; mas temos que entender o que mudou para reagir de forma inteligente. Resolvi assim entrar na dança e criar um blog com o objetivo de discutir política, idéias e ideais. Espero que na onda da mesma democratização da informação que leva a mais distorções, eu tenha a oportunidade de divulgar o que penso para meu círculo mais próximo de amigos, os quais me conhecem no calor do contato humano.

Conflito de civilizações ou de valores?

Álgebra, geometria, trigonometria, astronomia, filosofia e medicina são alguns dos muitos progressos científicos e humanos que os árabes contribuiram significativamente ao mundo. A cultura árabe embebida da religião muçulmana já foi um ambiente fértil para grandes mentes e grandes civilizações.

Coloquemos os pingos no Is.

Está claríssimo que o atual obscurantismo no mundo árabe é fruto desses árabes contemporâneos, e não dos árabes de forma genérica. É fruto desse Islã, e não do Islã.

O jihadismo desastroso que presenciamos hoje não é a revolta de um povo muçulmano oprimido contra o ocidente opressor. Não é uma revolta dos pobres do mundo contra os ricos do mundo. Não é uma reação cultural à depravação ocidental de morais.

Grande parte do povo muçulmano é oprimido sim, mas o opressor não é o ocidente, é o próprio governante. De todos os países com maioria muçulmana, apenas a Turquia tem um regime que podemos chamar de democrático, onde os três poderes têm igual representação e há relativa liberdade de expressão. A esmagadora maioria restante é governada no fio da espada por uma elite ditatorial, como Saddam governava o Iraque, como Assad governa a Síria, como Abdulah governa a Arábia Saudita e como o Conselho Guardião (designado pelo Aiatolá) governa o Irã.

Grande parte do povo muçulmano é pobre e vive na miséria sim. Arábia Saudita por exemplo, tem um PIB per capita similar ao da Argentina e 30% maior que o do Chile. Enquanto a Argentina tem 97% de sua população >15 anos alfabetizada e o Chile 96%, a Arábia Saudita tem apenas 79%. A Argentina e o Chile ocupam os lugares 34 e 37 no índice de desenvolvimento humano, respectivamente. A Arábia Saudita ocupa 77º lugar. O Brasil tem aproximadamente o mesmo PIB per capita que o Irã, mas o primeiro tinha em 2002/2003 91% da sua população em idade escolar estudando, enquanto no Irã esse número cai para 69%. O Brasil (que não é nenhum exemplo de desenvolvimento humano como todos sabemos) ocupa o 63º lugar, enquanto o Irã ocupa o 99º.* Está claro que no mundo árabe vontade política é o que falta, não dinheiro, que está todo concentrado em um mínimo grupo de famílias oligárquicas que dominam o petróleo, e deixam propositalmente o povo na miséria. Yasser Arafat, o idealista, tinha como única fonte de renda o salário da Autoridade Nacional Palestina (cujos recursos vinham de doações dos EUA e UE). Ao morrer, ele deixou de herança 300 milhões de dólares para a esposa que vive em Paris. Os territórios palestinos têm PIB per capita estimado em $2.302, aproximadamente 3,5 vezes menor que o do Brasil ($7.790); ou seja, não é bem uma situação de bonança financeira Palestina que levou Arafat a roubar esse dinheiro todo.

Daniella Cicarelli, Hugo Cháves, sexo e violência explicitos na TV, cueca de dólares, Big Brother Brasil, Bispo Rodrigues, revisão do Holocausto, Garotinho, crianças sendo arrastadas pelo asfalto, Guantánamo Bay, xenofobia européia, castração de clitóris e e escravização da mulher. É claro que o mundo passa por uma crise de valores. Parece que a Revolução Francesa e o Iluminismo foram há tanto tempo atrás que já os esquecemos, ou os consideramos tão inalienáveis que não lutamos mais por eles. Certamente, temos que ter muito clara a visão que o extremismo religioso não é a solução para a crise de valores – na verdade é uma das causas. A saída é mais iluminação e menos obscurantismo, mais igualdade e menos adestração, mais pluralismo e menos fundamentalismo, mais democracia e menos teocracia. Temos que ver muito claramente que o problema moral da civilização como um todo não está no sistema, mas sim nas pessoas que vivem nele. A história já demonstrou que é possível sintonizar iluminação com religião. O problema não está no livro, mas nos olhos de quem o lê.

*Fonte: Human Development Report 2005 – Acessado em Fev/2007. http://hdr.undp.org/reports/global/2005/pdf/HDR05_HDI.pdf